O Fórum de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará divulgou uma Nota pública denunciando a precariedade do sistema de garantia dos direitos infanto-juvenis no estado. No documento, o Fórum anuncia ainda sua saída do Comitê Local de Proteção Integral de crianças e adolescentes para não compactuar com as inverdades divulgadas pelo poder público municipal e estadual. Confira a íntegra da Nota.
NOTA DO FÓRUM DCA CEARÁ SOBRE COMITÊ LOCAL DE PROTEÇÃO
INTEGRAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM GRANDES EVENTOS
(AGENDA DE CONVERGÊNCIA)
Desde 2012 as cinco redes nacionais de defesa dos direitos de crianças e adolescentes se uniram para pensar estratégias de proteção de crianças e adolescentes brasileiros no contexto dos megaeventos esportivos. Essa aliança realizou a I Oficina Nacional Redes entram em campo pelos direitos de crianças e adolescentes, onde se construiu uma agenda comum, prevendo
ações antes, durante e após os megaeventos esportivos em 2014, a serem
construídas e executadas em articulação com os governos federal, estadual e
municipal, sistema de justiça, sociedade civil, iniciativa privada e cooperação
internacional.
Em agosto de 2012 foi lançada pela Secretaria de Direitos Humanos – SDH/PR a Agenda de Proteção à Criança e ao Adolescente em Grandes Eventos, chamada Agenda de Convergência, com o objetivo de prevenir a violação de direitos humanos de crianças e adolescentes durante os grandes eventos da Copa das Confederações de 2013, da Jornada Mundial de Juventude de 2013 e da Copa do Mundo de 2014. A expectativa segundo o governo era de que a experiência acumulasse para os próximos grandes eventos, como as Olimpíadas/Paraolimpíadas de 2016 e festas regionais (Juninas, Carnaval…). A partir de então alguns desafios foram evidenciados nessa articulação “conjunta”. Depois do lançamento do Comitê Nacional em agosto, a SDH/PR encampou um processo de implantação dos comitês locais nas cidades sede da Copa, os chamados Comitês Locais de Proteção Integral. A SDH/PR tomou a construção da agenda e iniciou o processo de implementação dos comitês sem a participação dos representantes locais das redes, se articulando apenas com os governos municipal e estadual e estes por sua vez mobilizando os seus, num processo unilateral, sem considerar os demais atores que compõem o Sistema de Garantia de Direitos – SGD.
Em Fortaleza, representantes das redes só passaram a compor o comitê seis
meses depois de sua implementação, através de reivindicação durante a II
Oficina Nacional que contou com representantes do poder público local
(somente nesta ocasião descobrimos a existência do Comitê Local, embora o
mesmo já tivesse se reunido oito vezes). No entanto, essa participação sempre
foi secundarizada e nossa correlação de força deveras desproporcional.
Contudo, ainda conseguimos fazer críticas ao plano de atuação da agenda
para a Copa das Confederações, que destoava da proposta original construída
pelas redes. Participamos de algumas reuniões para preparação de um plantão integrado com atores do sistema de justiça, conselho tutelar, município e estado e de um espaço de convivência para crianças e adolescentes, sempre com uma postura critica, reafirmando a necessidade de fortalecimento do SGD independente do evento e da necessidade de uma rede de retaguarda para as violações.
Historicamente o Fórum DCA vem denunciando a falta de prioridade
nos orçamentos públicos para as políticas para infância e adolescência e a
precariedade dos programas e serviços da política de atendimento no estado e
município e desde 2010 vimos fazendo o debate dos impactos dos
megaeventos para infância, representando um aumento das violações
cometidas contra esse segmento e a necessidade de investimento para a
melhoria dessas políticas, na tentativa de conseguir a redução desses
impactos, sobretudo a exploração do trabalho infanto-juvenil e a exploração e turismo para fins sexuais.
Após a Copa das Confederações, o próprio poder público avaliou que as ações
não funcionaram como deveriam, pois a maior incidência de violação
constatada pelo plantão instalado foi de uso e abuso de álcool e outras drogas,
enquanto situações de exploração sexual e trabalho infantil apareceram de
forma insignificante nos relatórios (enquanto podíamos constatá-las a olho nu
em várias partes da cidade). Outro problema constatado no período foi que o
SGD não estava pronto para atender e defender os direitos dos adolescentes
apreendidos durante as manifestações, um elemento novo demandado pela
conjuntura. Ainda é importante ressaltar que o processo da agenda de
convergência não repercutiu em medidas mais consistentes e sólidas
para as políticas públicas para crianças e adolescentes na cidade, a não
ser gerar mais demandas para uma rede já fragmentada, fragilizada e precária.
Uma rede que já não dava conta da demanda ordinária das violações de
direitos, não foi/é capaz de dar conta dessa demanda “extraordinária”.
Depois do momento da avaliação do plantão as redes ficaram meses sem
receber informação alguma, provocando a coordenação do Comitê Local, mas só foram chamadas novamente para uma reunião em março de 2014, e depois disso em maio, sempre com convites enviados em cima da hora. Grande foi a surpresa quando foi noticiado que o Prefeito de Fortaleza iria fazer o lançamento oficial da agenda. Mesmo sem convite as redes se fizeram
presentes no intuito de monitorar as ações apresentadas e constatamos que as
ações apresentadas no planejamento não correspondem a realidade da cidade, que os fluxos e parcerias que anunciaram não correspondem ao que sabemos existir, que não foram alocados recursos específicos para a execução da agenda, o que está sendo feito é um remanejamento de profissionais e serviços existentes.
Às vésperas da Copa do Mundo da FIFA o cenário é mesmo. A não ser a
preocupação dos governos com a “segurança” do evento – e se existem
medidas eficientes sendo tocadas em caráter de urgência – são as medidas de
repressão das lutas e dos movimentos sociais que vem denunciando as
grandes violações do Estado à serviço da FIFA. Nesse contexto, crianças e
adolescentes são a parcela mais impactada: nos processos de remoção
forçada são os sujeitos mais afetados, pelo vínculo estabelecido com a
comunidade e a escola (no Ceará, serão cerca de 4000 famílias entre
removidos e ameaçados de remoção, de acordo com levantamento do Comitê
Popular da Copa); a redução dos dias letivos, decretando férias em toda a rede escolar durante a Copa; a violência policial, com uma intensificação da
criminalização da juventude pobre através da estigmatização dos jovens
acusados de atos infracionais pelo aumento no número de internações, o
aumento da exploração do trabalho infantil, inclusive do trabalho oficializado
pela FIFA/governo, à exemplo dos “voluntários” e “gandulas” e o aumento do
número de vítimas de exploração sexual, uma das mais preocupantes
violações e intensificada no contexto de realização de um megaevento
esportivo.
Só para ter uma ideia, o Ceará atualmente não possui um Plano de
Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, o que
repercute diretamente na orientação das políticas, destinação de recursos
públicos e implementação dos serviços de forma eficiente. Em 2010 a
Fundação da Criança e da Família Cidadã (FUNCI) destinou R$ 255.823 para a Rede Aquarela, programa de referência da Prefeitura no tema, chegando a
executar 94,74% deste montante. Em 2013, ano que antecede a realização da
Copa, o recurso destinado para o programa foi de R$ 911.290, no
entanto, apenas 4,19% foi executado. Em contrapartida, embora isso não seja
divulgado, os enormes gastos com as obras da Copa do Mundo resultarão no
aumento da dívida pública de Fortaleza, que passará de 307.674 milhões em
2010 para R$ 917.131 milhões em 2014, conforme previsão contida na Lei de
Diretrizes Orçamentárias de 2012.
Nesse contexto o Fórum DCA vem se posicionar quanto a sua retirada do
Comitê Local de Proteção Integral de crianças e adolescentes para não
compactuar com as inverdades divulgadas pelo poder público municipal e
estadual objetivando unicamente mitigar as críticas que lhe são direcionadas e sem real preocupação com as violações de direitos de crianças e adolescentes e dizer: não queremos copa e sim a prioridade absoluta para crianças e adolescentes todos os dias!