30 anos da Rede ECPAT Internacional: Um momento para destacar, lembrar e comemorar, mas não um momento para descansar.
Enquanto a ECPAT completa 30 anos no dia 5 de Maio de 2020, a realidade é que o fim da exploração sexual de crianças continua sendo um assunto inacabado. Este ano certamente representa um marco importante na história da ECPAT e oferece um momento para lembrar e celebrar. No entanto, não é hora de descansar. Quando o ECPAT entra em um novo capítulo de nossa história, somos lembrados da determinação de nossos fundadores e do incrível poder da ação coletiva em todo o mundo.
Esta é a história da ECPAT Internacional.
DE VOLTA ONDE TUDO COMEÇOU
Durante os 20 anos de guerra do Vietnã, as Filipinas abrigaram uma grande base militar dos Estados Unidos da América. A Tailândia era o país mais próximo do Vietnã e nele, assim como em outros países da região, intermediários lucravam com o fornecimento de mulheres locais para atender à demanda de soldados estrangeiros. Mas quando a guerra terminou e os soldados partiram, outro conjunto de visitantes começou a chegar. Nos EUA, Europa, Japão e Austrália, os operadores turísticos começaram a vender experiências de viagem para a região. Lugares como Pattaya, na Tailândia, e outras partes do sudeste da Ásia rapidamente se tornaram conhecidas como as “capitais sexuais” do mundo.
“Cinco garotas foram encontradas acorrentadas às suas camas quando uma casa pegou fogo em Phuket durante 1984”
A preocupação com o impacto social do turismo cresceu à medida que surgiram casos de exploração e abuso sexual. No Sri Lanka, a exploração sexual dos “meninos da praia” empobrecidos se tornou o rosto da indústria do turismo em expansão nos anos 80. Foi no ano de 1984 que um incêndio eclodiu em um bordel em Phuket, Tailândia. No porão, bombeiros encontraram os corpos carbonizados de cinco meninas, entre nove e doze anos, acorrentadas às suas camas.
ROSARIO ESTÁ MORTA
Em 1987, a história de uma jovem chamada Rosario Baluyot provocou indignação. Rosario morava nas ruas de Olongapo, que na época era conhecida como “Cidade do Pecado” das Filipinas, devido à sua generalizada oferta de prostituição. Rosario morreu como resultado dos horríveis abusos sexuais e torturas cometidos por um médico austríaco. Um vibrador eletrônico ficou preso dentro dela por mais de 7 meses.
Em uma feira de turismo em 1990, um homem chamado Ron O’Grady descobriu que os turistas estavam ingressando cada vez mais nos países asiáticos com o objetivo de explorar sexualmente crianças e adolescentes. Os visitantes estrangeiros estavam até estabelecendo pequenas colônias para quem quisesse cometer abusos sexuais contra crianças e adolescentes, e bordéis infantis estavam surgindo. Desanimados e enojados com a crescente frequência e brutalidade de casos horríveis como o de Rosario, Ron e seus colegas ativistas reuniram-se em Chiang Mai em maio daquele mesmo ano. Alguns meses depois, em agosto, a campanha pelo Fim da Prostituição Infantil no Turismo Asiático (End of Children Prostitution in Asian Tourism – ECPAT) foi oficialmente lançado.
“A criança prostituída não entra nesta relação por opção. É um acordo contratual em que a criança é simplesmente a mercadoria disponível. Depois que o preço é fixado e pago, a criança é usada pelo cliente para atender às necessidades dele e depois se acertam com o “dono” da criança. Provavelmente, a criança não recebe mais respeito do que um carro alugado”.
– Ron O’Grady, um dos fundadores da ECPAT.
RESGATANDO CRIANÇAS NAS BATIDAS AOS BORDEIS NOS ANOS 1990s
Desde o início, a ECPAT se envolveu em casos que exigiram ação imediata. Em 1993, a ECPAT International recebeu informações de que meninas jovens estavam sendo seqüestradas na Birmânia e traficadas para a cidade portuária de Ranong, na Tailândia. Como resposta, contatamos a polícia e viajamos para Ranong com uma equipe de 35 policiais para invadir os bordéis onde as meninas traficadas estavam detidas. Nesse dia, 104 mulheres e 40 meninas foram resgatadas de uma situação em que eram continuamente exploradas sexualmente por marinheiros locais e foram repatriadas para suas famílias.
Os membros da ECPAT em todo o mundo continuam envolvidos nessas operações para garantir que os padrões de proteção à criança sejam aplicados pelos operadores do direito ao lidar com crianças vítimas de violência sexual. Em 2019, um esforço conjunto de nossos parceiros das redes de Malawi e Nepal levou ao resgate de quatro meninas nepalesas que foram traficadas e forçadas a se apresentar como dançarinas em Malawi.
A LUTA CONTRA A EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTIL – UMA QUESTÃO GLOBAL
Com o passar dos anos, demos continuidade à campanha da ECPAT, encontrando novas formas e novas colaborações para combater o crime de exploração sexual de crianças e adolescentes. À medida que os membros da ECPAT cada vez mais assumiam responsabilidades em outros países e colaboravam com organizações ao redor do mundo, a campanha se expandiu gradualmente para incluir não apenas o Sudeste Asiático, mas uma escala global. A princípio, a campanha foi estendida para 1993, depois para 1996, e em 2001 a ECPAT se transformou oficialmente em uma ONG internacional com uma crescente rede de organizações membros em todo o mundo.
ECPAT REÚNE LÍDERES MUNDIAIS EM ESTOCOLMO
A ECPAT acredita firmemente que a colaboração é fundamental no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Ao longo dos anos, a rede ECPAT reuniu governos, ativistas, empresas, organizações da sociedade civil e celebridades do mundo todo em três Congressos Mundiais. O primeiro Congresso Mundial ocorreu em Estocolmo, Suécia, em 1996.
“Se não houvesse demanda, não seria comercialmente viável ter um depósito. Este é um fato simples. Se alguém ao seu redor estiver ajudando a criar uma demanda, tenha coragem e fale”
– Princesa Takamado do Japão, Congresso Mundial ECPAT em 2001
O Congresso de Estocolmo foi seguido por Yokohama, no Japão, em 2001, e no Rio de Janeiro, no Brasil, em 2008. Esses congressos foram extremamente importantes para catalisar uma resposta global para uma questão global.
UM CÓDIGO DE CONDUTA PARA A PROTEÇÃO DE CRIANÇAS CONTRA VIOLADORES EM CONTEXTO DE VIAGENS
Durante muito tempo, os membros da ECPAT tentaram encontrar uma maneira de acabar com a exploração sexual de crianças e adolescentes que é cometida por agressores sexuais no contexto de viagens e turismo. Após o primeiro Congresso Mundial, ficou evidente que eram necessárias ações em um nível muito mais alto e em uma escala maior. No ano de 1996, a ECPAT Suécia, em parceria com a Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas, a OMT, e vários operadores turísticos suecos, iniciou um código de conduta – um conjunto de sugestões e padrões que orientavam as empresas do setor de viagens e turismo sobre como elas poderiam ajudar a proteger crianças e adolescentes. Foi pedido às empresas que se juntassem ao movimento e implementassem essas medidas em suas operações diárias.
O The Code tem mais de 350 empresas associadas em todo o mundo, incluindo algumas das maiores redes de hotéis, operadores do turismo e companhias aéreas, e muitos membros da ECPAT trabalham na base para apoiar estas empresas em suas medidas de proteção.
Hoje, a ECPAT International tem uma estreita colaboração com organizações como o Conselho Mundial de Viagens e Turismo e o Conselho Global de Turismo Sustentável, para aumentar ainda mais a conscientização sobre a necessidade de proteção infantil na indústria de viagens e turismo.
A ERA DA INTERNET: O AUMENTO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL ONLINE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O ambiente virtual on-line teve um grande impacto no trabalho e na missão da ECPAT Internacional. O desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação e a proliferação da Internet foram rapidamente utilizadas por agressores sexuais, que quase que da noite para o dia podiam ter acesso às crianças e lhes explorar sexualmente em suas próprias casas. Em 1996, três homens estadunidenses foram presos depois de produzir e compartilhar imagens e vídeos de abusos sexuais de crianças on-line. Eles compartilharam essas imagens com outros “membros do clube” nos EUA, Austrália, Canadá e Finlândia.
“Os membros aderiram apenas por convite, com a condição de fornecer 10.000 imagens de crianças diferentes das centenas de milhares de outras já armazenadas no banco de dados do clube. Um membro italiano tinha 180.000 imagens”
– Artigo da BBC, 13 de fevereiro de 2001
Esse caso, chamado The Orchid Club (O Clube Orquídea), foi um dos primeiros casos oficiais envolvendo o compartilhamento on-line e em tempo real de material de abusos sexuais de crianças e adolescentes, mas para a Rede ECPAT International não se tratou de uma surpresa. Já havíamos juntado forças à Interpol para explorar as possibilidades desse mesmo cenário e, juntos, escrevemos um artigo enfatizando a falta de uma definição uniforme sobre a ‘pornografia infantil’ e a falta de dados sobre a magnitude do problema.
ECPAT E INTERPOL
“Enquanto as meninas ainda são contabilizadas como a maior categoria de vítimas não identificadas, 31,1% eram meninos. E quando imagens ou vídeos de abusos sexuais retratam meninos ou crianças muito pequenas, é mais provável que o abuso seja mais severo”
Em 1998, quando as preocupações sobre o impacto da Internet no contexto da exploração sexual infantil cresceram, entre outros, a ECPAT e a Interpol organizaram uma reunião de especialistas para explorar ainda mais essa manifestação emergente da exploração sexual. Este foi o começo de muitos anos de trabalho árduo e, muitas vezes, a ECPAT liderou os esforços de advocacy contra a exploração sexual de crianças e adolescentes on-line antes que alguém mais estivesse falando sobre isso. E vinte anos após a primeira colaboração de pesquisa com a Interpol, lançamos em conjunto um relatório inovador sugerindo que quando imagens ou vídeos on-line de abuso sexual infantil retratam meninos ou crianças muito pequenas, é mais provável que o abuso seja severo.
No próximo ano, ECPAT International, Interpol e UNICEF – Innocenti irão divulgar os resultados de pesquisas conjuntas sobre exploração sexual online de crianças e adolescentes em 14 países da Ásia e África. A ECPAT também está trabalhando em conjunto com operadores do direito, com a indústria de tecnologia, com a ONU e com os governos para resolver a problemática através do nosso papel como membro do Conselho da Aliança Global WeProtect.
HOJE NÓS CELEBRAMOS QUE…
- A ECPAT é a maior rede global coordenada de organizações focada apenas na erradicação da exploração sexual de crianças e adolescentes;
- A ECPAT posicionou esta questão de forma firme nas agendas globais, regionais e nacionais;
- A ECPAT reuniu a maior biblioteca de pesquisa e conhecimento sobre todas as formas de exploração sexual infantil no mundo;
- A ECPAT tem provocado políticas e leis que eventualmente levam crianças e adolescentes a serem melhor protegidas;
- A ECPAT continuou a dar voz às vítimas e sobreviventes da exploração sexual;
- A ECPAT apoiou e capacitou mais de um milhão de funcionários no setor de viagens e turismo.
Ao olharmos para estes 30 anos de sucessos e desafios, estamos determinados e prontos para enfrentar os desafios futuros. Com 118 organizações membros em todo o mundo, somos fortes e continuaremos a fazer o nosso melhor para impedir em primeiro lugar que a exploração sexual aconteça e para criar refúgios seguros para que crianças e adolescentes possam escapar de situações de abuso e de exploração sexual.
É nosso privilégio e honra agradecer a todos que tornaram possível essa incrível jornada.
Muito Obrigado.