Depois de debater o cenário político e social atual, representantes das entidades que integram a articulação “Entre em Campo – Redes Pelos Direitos da Criança e do Adolescente” definiram estratégias de atuação para o enfrentamento da violação dos direitos infanto-juvenis. As recomendações são abrangentes e incluem, por exemplo, denúncias sobre a fragilidade do sistema de garantias, levantamento de dados dos casos de violação, articulação com a mídia alternativa, mobilização pelas redes sociais e criação de agenda de controle social.
As estratégias são o resultado da III Oficina Nacional promovida pela articulação nos dias 25 e 26 de abril, em Brasília (DF), que reuniu cerca de 100 participantes. Durante o encontro chegou a ser discutida a permanência das entidades da sociedade civil nos comitês locais montados nas cidades-sede dos jogos da Copa do Mundo de futebol. A queixa principal foi a falta de comprometimento dos órgãos governamentais com a proteção dos direitos da criança e do adolescente.
O cientista político João Trajano Sento-Sé, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), provocou os participantes ao analisar os desafios de um cenário político num país de Copa do Mundo. Trajano traçou um paralelo entre o movimento das Diretas Já, de 1984, e as manifestações populares ocorridas no ano passado. A partir desta reflexão, o professor ressaltou que a sociedade civil já não é a mesma de 30 anos atrás, destacando a dependência atual das ONGs dos recursos do Estado.
Na opinião do professor, os movimentos recentes se caracterizaram pela falta de lideranças e de agenda e pelo resgate da violência como instrumento da política. O debate que se seguiu foi rico e participativo.
Para Perla Ribeiro, da Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Seção Defense for Children Brasil (Anced/DCI Brasil), a palestra foi importante para a compreensão sobre qual deve ser o papel da sociedade civil nos tempos atuais. Para ela, o governo está tutelando direitos, sob a justificativa da garantia de direitos, ignorando que a criança e o adolescente tem que ser sujeitos de seus próprios direitos.
Perla defendeu que a liberdade e a dignidade humana devem sempre ser consideradas superiores à moralidade pública, criticando o fato de que muitas vezes as crenças e valores morais conduzem as políticas proteção. “As ações que estão sendo empreendidas são todas sob a ótica da tutela e não da emancipação”, condenou.
O jovem Bruno Ferreira, do jornal Nova Democracia, do Rio de Janeiro, estudante de Serviço Social, falou sobre o movimento estudantil durante as manifestações do ano passado e as perspectivas de mobilização para o período da Copa. Em sua opinião, a revolta popular está acontecendo em todo o mundo e, no Brasil, a Copa é só o elemento catalisador.
Segundo alguns participantes da Oficina, a Copa poderia ter sido uma oportunidade de mudança, mas ao contrário a violação de direitos e os problemas nas redes de proteção só estão se agravando. Expressões como “sensação de impotência, estamos enxugando gelo e medidas de higienização social” foram usadas para descrever o sentimento com o momento vivido.
A articulação “Entre em Campo – Redes Pelos Direitos da Criança e do Adolescente” reúne a Rede Ecpat Brasil, Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Seção Defense for Children Brasil (Anced/DCI Brasil), Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (FNDCA) e Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).
A seguir algumas das estratégias apontadas durante a III Oficina Nacional.
- Dar visibilidade aos cenários apontados pelo monitoramento aproveitando as datas de mobilização – 18 de Maio e 12 de Junho –, com o mote de reafirmar o posicionamento de que a Copa poderia ser uma oportunidade para fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos, mas isso não ocorreu.
- Desenvolver um instrumental simples para que as redes possam levantar dados durante a Copa, de modo que não tenhamos apenas os relatórios gerados pelos Comitês da Agenda de Convergência, que podem não mostrar todas as situações.
- Comunicação interna: criar um canal de comunicação ágil para que as redes possam se articular e trocar informações, experiências e sugestões durante os jogos (grupo no Facebook).
- Observação comunicativa: destinar equipes das entidades e fazer articulação com meios de comunicação alternativos (Mídia Ninja e outros) e grupos de jovens comunicadores para que registrem qualquer violação de direitos de crianças e adolescentes, especialmente nas manifestações e Fan Fests, de modo que tenhamos material para denúncias, repercussão pública e prevenção a outras violações.
- Fazer articulação com RENAP, Centros de Defesa e outros órgãos para agilizar a intervenção jurídica em casos de violações de direitos dos adolescentes nas manifestações.
- Ação pós-Copa: garantir a realização da 4ª Oficina Nacional das Redes para fazer uma avaliação aprofundada do processo, produzir documentos com essa avaliação (inclusive para denúncias internacionais) e construir as estratégias de continuidade da articulação das redes, por exemplo, na pauta das grandes obras.
- Participação política das redes no comitê local com o objetivo de exercer o controle social, isto é, o acompanhamento das ações planejadas e executadas pelo comitê.
- Compartilhar o resultado das deliberações deste Encontro Nacional, com os membros da rede local.
- Reunião de articulação das redes estaduais locais para deliberar sobre as estratégias a serem encaminhadas para o exercício do controle social e decidir o posicionamento frente ao Comitê Local.
- Conhecer o fluxo de atuação do Comitê Local na Copa: analisar o Plano de ação.
- Elaborar um instrumental norteador para atuação das Redes no Controle Social.
- Criar uma agenda para as redes realizarem o controle social durante a Copa.