“É hora de chamarmos as empresas para assumirem sua responsabilidade sobre a violência sexual nas comunidades onde estão inseridas”. A opinião é de Valéria Brahim, gerente de Programas Sociais na ONG Terra dos Homens, que desde 2010 está envolvida em um projeto que busca mobilizar o setor empresarial no combate à violência sexual — uma das mais graves violações dos direitos das crianças e dos adolescentes. O projeto Redes Corporativas: Enfrentamento à Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, que se encerrou em maio deste ano, buscou fazer com que empresas inserissem em suas ações tal questão.
“O tema da segurança no trabalho e do meio ambiente já estão incorporados como uma prática inerente ao negócio das empresas. Esperamos ver também o direito humano de crianças e adolescentes, principalmente a sexualidade saudável, como uma preocupação das organizações empresariais”, explica Valéria.
Após quatro anos de ações de sensibilização, o projeto envolveu 162 empresas que realizaram ações e aderiram à Declaração de Compromisso Corporativo no Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Apesar da crescente mobilização, Valéria analisa que a responsabilidade social ainda deve ser mais fortalecida nas empresas. A gerente destaca que, diante de um problema tão complexo como a exploração sexual, é necessário que toda a sociedade se mobilize em busca de uma solução. “Os governos por sua função são responsáveis pelas políticas públicas e soluções de questões sociais. A sociedade civil já tem se organizado e agora é hora de chamarmos as empresas para assumirem sua responsabilidade nas comunidades onde estão inseridas.”
Envolvimento
Uma das empresas que atendeu ao chamado foi o Grupo Mil, do Rio de Janeiro. “A princípio me perguntei de que modo, eu, que atuava com marketing, poderia me envolver em um tema tão complexo e tão ‘longe da minha realidade’”, relembra a supervisora de marketing, Alda Amaral, que atua como coordenadora dos Projetos Socioambientais do Grupo Mil. A primeira ação foi a realização de palestras para os funcionários da rede de supermercados Bramil, pertencente ao Grupo, pelo coordenador de Projetos da Faculdade de Medicina de Petrópolis, Ricardo Tamella. Em pouco tempo, Alda assumiu essas palestras e a empresa passou a receber convites para falar em escolas e outros espaços. O tema também foi abordado em campanhas nas lojas do Grupo, com a distribuição de panfletos e exposição de cartazes.
“Percebemos que esse assunto era quase um tabu entre as pessoas que participaram das palestras”, relata Alda. A coordenadora relata que os debates com trabalhadores do setor da construção civil, onde o Grupo Mil também atua, impactaram diretamente suas ações. “Acreditamos que a famosa ‘cantada’ às meninas que passam em frente aos canteiros de obras diminuiu consideravelmente”, explica Alda. “Inclusive, temos relatos de colegas que observaram os funcionários mais velhos chamando a atenção dos mais novos, quanto à postura errada, dizendo: ‘O, rapaz, podia ser sua filha’.”
O impacto das ações também pôde ser percebido por Patrícia Ramon, analista de Recursos Humanos que está à frente do setor de Responsabilidade Social da Fábrica Carioca de Catalisadores S.A., de Santa Cruz (RJ). “Notamos o amadurecimento paulatino das pessoas ao abordarmos um assunto tão delicado”, explica. A empresa, participante da iniciativa desde seu início, desenvolveu campanhas e palestras voltadas para o público interno, distribuiu informativos para clientes e acionistas e apresentou a questão para cooperativas de táxi e transportadores de produtos, entre outras iniciativas. Patrícia explica que as ações são simples e foram realizadas com orçamento modesto. “Podem ser adotadas por empresas de qualquer porte que se interessar por esta causa fundamental para o desenvolvimento saudável de nossas crianças.”
Responsabilidade
Essas iniciativas e outros bons exemplos foram compilados pelo projeto Redes Corporativas na publicação “Boas Práticas de Responsabilidade Social Corporativa no Enfrentamento de Violações de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes”. O livro reúne 12 experiências desenvolvidas por diferentes empresas, como Petrobras, a hoteleira Rede Accor e a mineradora Vale.
Valéria Brahim, da Terra dos Homens, destaca que muitos hotéis têm realizado importantes trabalho preventivos junto aos trabalhadores, assim como consórcios de grandes obras. Outro exemplo são as quase três mil agências da Caixa Econômica Federal que levaram o tema aos seus fornecedores, fazendo com que mais de mil empresas aderissem à Declaração.
Para Alda Amaral, do Grupo Mil, o setor empresarial é um dos melhores caminhos para que se dissemine a temática: “primeiro, porque dispõe de recursos financeiros e midiáticos para tal; segundo, porque possui, no perfil de seus colaboradores, pessoas de diferentes culturas e opiniões, que tanto podem ser vítimas quanto algozes dessa triste realidade”. Alda aponta ainda que as empresas têm, em relação à comunidade que estão inseridas, a responsabilidade de, “senão minimizar os impactos sociais que causam, promover o bem-estar de todos os que vivem no seu entorno”.
Patrícia concorda com a importância da atuação do setor. “Milhares de pessoas podem tomar consciência da gravidade da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil através das empresas e de seus modelos de atuação responsável.” A analista explica que o envolvimento com o tema mostra um amadurecimento do setor empresarial e a opção por um amanhã sustentável e socialmente justo. “O futuro do negócio confunde-se com o sucesso da nação. É preciso pensar e debater — com coragem e honestidade — os problemas do país”, ressalta.
Mobilização contínua
Apesar do projeto Redes Corporativas chegar ao fim, seguem as ações voltadas às empresas. A Terra dos Homens e o Comitê Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, com apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, desenvolvem permanentemente a Campanha de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
A iniciativa surgiu após III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que ocorreu em 2008 no Rio de Janeiro. As resoluções do encontro ressaltam a necessidade de se envolver as empresas na temática. Então, o governo brasileiro, em parceria com organizações da sociedade civil iniciaram as mobilizações para que o setor empresarial aderisse à “Declaração de Compromisso Corporativo no Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”. Em 2011, eram 24 empresas signatárias e hoje o número chega a 162.